Na semana em que o Brasil cruzou 70.000 marcos mortos do Covid-19 e em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou que estava com o vírus, colunista Folha Hélio Schwartsman surpreendeu os leitores com um artigo intitulado “Por que espero que Bolsonaro morra”.
Em um exercício teórico cujo argumento central é que o valor das ações provém dos resultados que produzem, Schwartsman argumentou que o sacrifício de um indivíduo (presidente) pode ser válido se resultar em um bem maior (vidas salvas pela adoção de uma estratégia de coronavírus).
Parte dos leitores percebeu a mensagem como uma forte crítica à maneira como o presidente está realizando a pandemia. Os outros não aprovaram o texto.
“Eu me pergunto se esse tipo de abordagem não nos coloca no MMA em nome do direito a uma opinião. O desejo de alguém morrer e publicar isso é um assunto muito sério”, disse um leitor.
Folha tem uma longa história de colunistas cuja característica mais marcante é a provocação. Entre eles, o caso mais forte é o agressivo Paulo Francis, muito popular nos anos 90.
Atualmente, o engenheiro Helio Beltrão se destaca entre os colunistas que atraem críticas dos leitores, politizando o uso da hidroxicloroquina ou chamando ditadores de manifestantes anti-racistas, vinculando protestos recentes à “estratégia hegeliana de tesoura dialética”.
Schwartsman, mais de 30 anos em Folha, não se encaixa em nenhum dos perfis. Usando argumentos que buscam suspender julgamentos de valor ou justificar invocando filosofia ou sociobiologia, o colunista se percebe como um depósito de exceção científica, moderação.
Por isso, surpreende os leitores, que perguntaram se o texto estaria alinhado às boas práticas de Folha.
O manual editorial é claro ao rejeitar a censura e outros ataques à liberdade de expressão, reconhecendo, no caso de abuso comprovado dessa liberdade, a responsabilidade subseqüente do autor, nos termos da lei. Mas houve um crime?
Para tentar incorporar um jornalista, o ministro da Justiça, André Mendonça, recorreu à Lei de Segurança Nacional. No artigo em FolhaFabio Wajngarten, da Secretaria de Comunicações, justificou a investigação apelando aos limites da liberdade de expressão.
Os abusos dessa liberdade são descritos na legislação.
O trecho da lei a que o ministro se referiu fala de difamação e difamação contra os presidentes dos três ramos do governo. Difamação é a falsa atribuição de fatos definidos como crime, enquanto difamação é a imputação de fatos que são ofensivos à reputação.
A vítima de uma pessoa não se encaixa em nenhuma definição.
Além disso, o governo expõe a contradição dessa medida recorrendo aos limites da liberdade de expressão contra a opinião, enquanto defende essa liberdade para justificar os insultos dos blogueiros bolsonares.
Schwartsman pode ter sido imprudente, insensível, imoral ou imoral. Mas ele não cometeu um crime.
Ele reagiu com o fígado, como disse Thiago Amparo, também colunista, Folha, mas se os viscers fizessem bons argumentos, teríamos um ótimo orador na forma de um presidente.
Folha rejeita tentativas de criminalizar a realização de opiniões, diz Vinicius Mota, editor-chefe. Como o leitor já sabe, Mota também confirma que os jornais oferecem ampla liberdade de expressão a seus colunistas, que atuam no campo da opinião e não influenciam a produção de notícias nos jornais.
Essa liberdade é louvável e deve ser disseminada. Hélio Beltrão continua dizendo o que pensa, mas, para lembrar outro exemplo, Anderson França, o controverso colunista que escreveu no site, durou menos de um ano no jornal. Qual é a regra?
legalmente, Folha procurando uma audiência. A coluna contém mais de mil comentários no site (o texto popular geralmente possui entre cem e 300 comentários). Mas a briga entre celebridades também dá cliques, e o equilíbrio em termos de credibilidade não é significativo para o jornal.
Outro aspecto é que a coluna aproxima as páginas dos jornais e redes sociais do MMA, o universo em que Folha e toda a imprensa procura se diferenciar.
De uma abordagem simplificadora, este texto parece contribuir pouco para o debate público, especialmente em um ambiente como o atual, altamente polarizado.
Em uma coluna em dezembro de 2019, Schwartsman oferece uma maneira de contornar o ambiente on-line no qual todos aplaudiram, independentemente da tese que estão defendendo. Esse caminho seria autocensura.
Segundo o próprio autor, “é um tipo de censura que, se realizada por discernimento, tende a se tornar pró-social”. Ele poderia ter servido bem a coluna em questão.