Acusado de romantizar uma história de violência contra as mulheres, o vídeo da cantora evangélica Cassiana para a música “A Train”, lançado ontem, já recebeu mais de 40.000 reações de “não gostei” no Youtube – quatro vezes o número que ele gosta – e mais de 8.000 comentários. Em uma conspiração, uma mulher que sofre violência do marido deixa uma nota dentro da Bíblia pedindo que ele “reconheça a voz de Deus” e avisa que ela o perdoou.
No final do vídeo, o personagem, que aparece com traços de agressão no rosto, e um homem alcoólatra, se encontram na rua. O clipe não menciona em nenhum momento a denúncia de um caso de violência doméstica às autoridades policiais ou ao Centro de Assistência às Mulheres (180).
Na véspera das consequências negativas, a empresa que produziu o vídeo para Cassiane disse que a abordagem da peça era “espiritual, não legal”. Mas a avalanche de rejeição sugere que mulheres e homens apontem que a mensagem do clipe é decepcionante. O que esse caso nos ensina sobre a violência contra as mulheres?
“Não perdoe, denuncie. Por favor. A violência doméstica não é resolvida pela oração”, disse um usuário. “Deveria ter terminado de maneira diferente: ela sai de casa, ela sai para igreja, e ele será preso porque não beberá lá o dia todo “, comentou outro.” 180 relatório agressão física, não vai mudar! ” pensando outro espectador. “A música é muito bonita, mas esse clipe está completamente desligado! A violência doméstica não é discutida, não é negada”, para citar outra das milhares de mensagens.
No início da noite de domingo, a cantora pediu desculpas a seus seguidores e divulgou um número nacional por denúncias de violência doméstica, 180 (leia mais abaixo).
Nos últimos anos, campanhas sobre os direitos das mulheres e a luta contra a violência doméstica, além da instituição do feminicídio como estrutura para os crimes nos quais a vítima foi morta por ser mulher, espalharam uma necessidade mais ampla da vítima de quebrar o ciclo da violência e procurar ajuda, independentemente da fé ou crença da vítima.
Entidades governamentais e civis são organizados para facilitar o acesso da vítima aos canais de gravação de eventosPor esse motivo, o videoclipe Cassiano ela foi criticada em público, Youtube.
A violência doméstica, atualmente exacerbada pelo isolamento social, pode ser registrada por vários mecanismos de denúncia – uma mulher não precisa sair de casa para fazê-lo.
Perdoe o agressor e denuncie
Em uma nota deixada pelo personagem de “A Voz”, a mulher pede ao homem que a está atacando que procure religião para se curar. “Reconheça a voz de Deus. Deixe que ela agite seu coração. O santo tremor do Senhor irá curá-lo, pois Ele é a voz que renova a vida. Eu oro por você. Perdoo.”
O debate sobre o comportamento de vítimas e agressores em casos de violência doméstica no Brasil não pode ser separado de seu perfil: segundo um estudo de 2016 desenvolvido pela teóloga Valéria Cristina Vilhena e publicado no livro “Igreja sem voz – análise de gênero da violência doméstica entre mulheres evangélicas”, 40% das mulheres vítimas de agressão física ou verbal em casa são declaradas evangélicas.
Nesse contexto, existe uma ideologia do perdão cristão. Não é por acaso que entidades cristãs e grupos de mulheres nas igrejas são organizados para incentivar a renúncia a mulheres que seguem preceitos religiosos. Em 2019, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) publicou uma declaração nas mídias sociais sobre esse tópico, destinada a “pastores, padres, honras”.
“Pare de aconselhar uma mulher que foi agredida fisicamente pelo marido para orar e esperar por Deus; envie-a à delegacia para denunciar um covarde, um criminoso. Caso contrário, você é cúmplice do crime.”
Relativizar a agressão não é a solução
O homem na filmagem parece bêbado, bebe álcool pela manhã e usa dinheiro para apoiar seu vício. Realmente, o álcool é um dos fatores associados ao aumento do número de mulheres mortas em casa durante uma pandemia de coronavírus, afirmam os pesquisadores.
Parte dos comentários deixados no clipe de Cassiane aponta que a produção romantizou cenas de agressão.
Em resposta, na descrição do vídeo no YouTube, os responsáveis pela peça acrescentaram informações que não podemos omitir devido à violência doméstica e disponibilizamos 180 informações para reclamações.
Diante da controvérsia, a equipe responsável pelo clipe também escreveu que “não estava claro” se a mulher denunciou o marido em paralelo com a nota de perdão. A mensagem é, portanto, incompleta para os telespectadores, porque não há reforço didático que incentive a renúncia.
No início da noite de domingo, Cassiane postou uma postagem no Instagram pedindo que todos a perdoassem e revelasse o número 180 por reclamações. Ela compartilhou uma mensagem da MK Music afirmando que a gravação estava sendo preparada “por respeito à dor de muitas vítimas”.
Assista ao clipe: