Imagine um gato trancado em uma caixa que contém um dispositivo com 50% de chance de liberar um comprimido para dormir. Se a pílula para dormir for ativada, o gato está dormindo. Se não, ele fica acordado.
Como o animal está preso nesta caixa, não se sabe realmente se está acordado ou dormindo – a menos que a caixa seja aberta.
Nessas circunstâncias, dizemos que o gato está em sobreposição quântica, um conceito da física que trata de como dois ou mais fenômenos opostos podem ocorrer simultaneamente em um objeto. Como se algo pudesse estar presente em vários lugares diferentes ao mesmo tempo.
A sobreposição é, neste caso, entre um gato acordado e um gato dormindo. No momento de descobrir se a pílula para dormir está ativada ou não, o gato sairia dessa superposição para um estado de interferência quântica, quando uma das duas possibilidades se cumprisse.
Este exemplo, conhecido como gato de Schrodinger (referindo-se ao físico austríaco Erwin Schrödinger, 1887-1961), é um dos vários tratados no livro “O Abismo Vertiginoso”, recentemente publicado no Brasil pela editora Objetiva.
O artigo, que pretende explicar a física quântica, é assinado Carlo Rovelli, físico teórico italiano e professor da Universidade de Aix-Marseille (França).
“Na versão original [de Schrödinger], havia veneno na bolsa, não um comprimido para dormir, e o gato não adormeceu, mas morreu. Mas não gosto de brincar com a morte de um gato ”, escreve a autora no trecho, justificando a adaptação.
Assim, em linguagem acessível, o físico tenta explicar teoria quântica e mostrar como é importante compreender toda a realidade do Universo.
esta linha de pensamento “Isso sugere novas maneiras de pensar sobre grandes questões, da estrutura da realidade à natureza das experiências, da metafísica até, talvez, a natureza da consciência”, diz ele.
A teoria também sugere uma nova maneira de compreender as minúsculas partículas que constituem o universo e, especialmente, as interações que ocorrem entre elas.
Rovelli explica que em 1925 o jovem físico Werner Heisenberg (1901-1976) se concentrou em observar o movimento dos elétrons de um átomo para outro. Assim, ele lançou um dos principais fundamentos da teoria quântica: seria necessário limitar-se ao que era estritamente visível nas interações entre as partículas para compreender o Universo.
Portanto, surge um grande problema, porque essas interações e observações que temos sobre elas não são completamente previsíveis. Cat Schrödinger, outro físico muito importante para a teoria quântica, chegou à conclusão de que é possível ter apenas probabilidades de ocorrência de interações. Nunca seria possível para ele estar completamente seguro do curso das interações.
O foco principal da teoria quântica, então, seriam essas interações, não objetos.
“A física nos diz que a base do mundo não é uma lista de objetos com certas propriedades. Acho que devemos desistir de encontrar uma imagem ‘fundamental’ da realidade de uma vez por todas. A realidade é complexa, reconhece muitas perspectivas relacionadas, mas encontrar sua ‘base’ pode simplesmente ser a pergunta errada. “, diz o escritor em uma entrevista com Folha.
Assim, novas hipóteses para explicar o Universo surgiram da teoria quântica. Um é a teoria de muitos mundos. Ela afirma isso há uma infinidade de mundos devido às inúmeras possibilidades de relacionamento entre os elementos que constituem a realidade.
Nesse caso, a superposição quântica não indica apenas a probabilidade de que uma coisa ou outra aconteça – essa possibilidade de caminhos diferentes é em si uma realidade e indica a existência de mundos diferentes.
Para explicar melhor, Rovelli usa o exemplo de um gato que pode estar acordado ou dormindo em uma caixa novamente. No caso da teoria de muitos mundos, as duas versões do gato existem sozinhas em universos diferentes e não são apenas possibilidades do que pode ou não acontecer a um animal.
Nessa corrente de pensamento, haveria duas versões da pessoa que observa o gato – em um desses mundos, há um sujeito observando o gato acordado e, em outro mundo, seria a versão daquele que vê o gato. gato dormindo.
Quando você pega essa premissa, explica Rovelli, e a leva para as inúmeras relações possíveis da realidade do universo, você chega à conclusão de que pode haver um número infinito de mundos que suportam todos esses cenários.
Portanto, o autor afirma que essa teoria é muito radical. Rovelli defende mais abertamente o que chama de perspectiva relacional – uma visão de mundo baseada em infinitos estados de sobreposição e interferência, sem resposta correta, mas inúmeras possibilidades que mudam dependendo dos objetos envolvidos na interação.
Nesse ponto, a teoria quântica afeta várias outras áreas do conhecimento porque fala sobre como a realidade pode ser percebida. Não se trata apenas dos materiais que compõem o Universo, mas também de como as interações entre eles afetam a realidade que nos cerca – e as inúmeras possibilidades que existem.
Um exemplo é a filosofia. Ao longo do livro, o autor traça paralelos entre as duas áreas.
O caso que Rovelli usa é o caso de Nagarjuna, um filósofo indiano que viveu no século II e chegou à conclusão de que as coisas não existem por si mesmas, mas surgem quando vistas em relação a outros objetos. A semelhança com a física quântica e a perspectiva relacional é óbvia.
O físico, portanto, defende a relevância do ensino da filosofia, pois “questiona o preconceito, obriga-nos a pensar de forma mais precisa e profunda”.
Outro ponto apontado por Rovelli foi o próprio artigo científico. Para ele, a física quântica, por mostrar que a observação é relacional, indica que a produção de conhecimento não é totalmente gratuita. Depende da interação do pesquisador com o objeto de estudo – e isso se multiplica em inúmeras possibilidades.
Rovelli cita, como exemplo, o céu. A cor que possui não é um traço inerente, mas algo que também depende de quem o está a ver. É assim que funciona a linguagem: o que é dito depende sempre do ouvinte e da sua interpretação.
Mesmo com exemplos às vezes simples, como este do céu, Rovelli deixa claro que, apesar de sua grande influência, a física quântica ainda é bastante nova e de difícil compreensão. O próprio autor em algumas passagens relata a confusão que passou ao traduzir esses termos para o leitor.
“Escrevo sobre ciência tentando simplificar o máximo possível, transmitindo com muita fidelidade o que considero as ideias principais. É mais fácil de fazer em tópicos que entendo bem, mas ninguém entende bem a física quântica. Portanto, este livro foi o mais difícil e o mais e mais divertido para escrever ”, conclui.