O Ministério da Saúde publicou nesta sexta-feira uma portaria que obriga os profissionais de saúde a notificarem os policiais quando atendem pacientes que pedem para fazer aborto por violação, o que gerou críticas dos deputados.
A portaria, que define novas regras para o atendimento nas situações de aborto nos casos previstos em lei, como é o caso da violação sexual, refere-se à “notificação obrigatória à autoridade policial pelo médico, outros profissionais de saúde ou responsáveis por o estabelecimento de saúde que recebem. o paciente nos casos em que haja evidência ou confirmação do crime de violação ”.
“Os referidos profissionais devem preservar possíveis provas materiais do crime de estupro para serem imediatamente entregues à autoridade policial, como fragmentos de embriões ou fetos, para a realização de confrontos genéticos que possam levar à identificação do respectivo autor, sob nos termos da lei. ”, acrescenta a portaria.
O documento, publicado no Diário Oficial da União, também estabelece uma série de medidas que devem ser seguidas pelas equipes de saúde para que as gestantes tenham acesso ao procedimento de interrupção da gravidez, incluindo o dever dos médicos de informar as mulheres sobre a possibilidade, caso ela veja o feto ou embrião na ultrassonografia, se ela desejar.
Segundo especialistas ouvidos pela imprensa local, a medida é considerada uma forma de rebaixar a paciente da consumação do aborto.
O texto também exige que as mulheres assinem um termo de consentimento com uma lista de possíveis complicações que a interrupção da gravidez pode causar.
Diante dessa portaria, um grupo de 10 deputados federais encaminhou ao Congresso um projeto de decreto legislativo para anular a medida.
Na proposta, a deputada Jandira Feghali, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), destacou que a nova regra restringe os direitos das mulheres vítimas de violência sexual.
“Na prática, a portaria inviabiliza o atendimento de mulheres e meninas vítimas de violência sexual nos serviços de saúde ao fazer tais demandas”, escreveu a deputada, citada pelo jornal O Globo.
“Recebemos a norma como reação ao recente caso de autorização judicial para a interrupção da gravidez de uma criança de apenas 10 anos e não com a base técnica que deveria nortear as políticas públicas. Isso é inaceitável”, acrescentou Jandira Feghali.
O deputado se referiu ao caso de uma menina de 10 anos, que neste mês precisava de autorização judicial para abortar, após ter sido estuprada por um tio durante vários anos, e que acabou grávida.
O caso, que causou comoção nacional, levou vários manifestantes a se aglomerarem em frente ao hospital onde a criança estava para interromper a gravidez e chamaram a equipe médica responsável pelo caso de “homicida”.
Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil quando a gravidez é fruto de estupro, quando há risco de vida para a mulher e se o feto é anencefálico (malformação que consiste na ausência de cérebro ou parte dele).
Outros parlamentares também criticaram o decreto do executivo.
“Essa portaria tem muitos temas que ferem a dignidade humana. Praticamente inviabiliza o aborto legal, pois cria uma série de dificuldades para desestimular a vítima. Muitas delas nem sabem que podem realizar o aborto legal, criando a obrigação de notificar a a polícia só dificulta. O papel do Ministério da Saúde é garantir que as mulheres não sofram novas violências ”, disse a deputada Sâmia Bonfim, do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL), à Globo.
Também do PSOL, a deputada Fernanda Melchionna acusou o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, de “institucionalizar a tortura de mulheres estupradas”.