Em casa, devido ao isolamento social para combater a pandemia dos “19 rápidos”, nunca estivemos tão calados antes na história recente. Sem pessoas e menos carros nas ruas das grandes cidades, com a proibição de jogos e o cancelamento de grandes torneios, entre março e maio, houve uma queda significativa no ruído em todo o mundo.
Essa redução foi registrada por 268 estações de monitoramento sísmico; verificou-se que em 185 (ou 69%) houve uma redução significativa no ruído sísmico de alta frequência produzido por seres humanos. Os resultados de uma pesquisa assinada por 76 autores foram publicados segunda-feira (27) na revista “Ciência“
“Podemos dizer com certeza que nunca vimos um período tão longo de silêncio humano na sismologia moderna”, diz Raphael de Plaen, um dos autores do artigo e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México.
O ruído sísmico está associado principalmente a terremotos. Portanto, analisando os sons provenientes do nosso planeta, essas células são capazes de identificar quando um terremoto deve ocorrer e qual é o seu epicentro.
Mas as funções da sismologia vão muito além. Os pesquisadores também estão trabalhando em sons gerados pela interação da terra e da água, como ondas do mar e mudanças na pressão atmosférica, e aqueles produzidos pelo homem – a terceira maior fonte de ruído sísmico.
Atividades diárias, como excursões e estádios cheios de fãs, também causam ondas sísmicas e são gravadas por sismógrafos. “É o transporte, como carros, trens, tráfego, ônibus. É varejo e recreação – não apenas compras, mas parques. São empregos e casas”, explica Paula Koelemeijer, pesquisadora da Royal Holloway University, em Londres.
Sri Lanka teve a maior redução
A coleta de dados incluiu vários tipos de sismógrafos, desde os mais técnicos em instituições acadêmicas até os chamados Raspberry Shakes, sismógrafos pessoais feitos e usados por amadores (cerca de 40% da quantidade total de dados coletados). Os pesquisadores descobriram que o silêncio começou no final de janeiro na China e só se espalhou pelo mundo em meados de março.
O Sri Lanka teve uma redução de ruído de 50%, a maior medida encontrada no mundo. No Caribe, o ruído caiu 45% após isolamento até abril. Os domingos no Central Park, Nova York (EUA), eram 10% menos barulhentos. A pesquisa não fornece dados sobre o Brasil.
Até sensores enterrados no fundo da superfície conseguiram detectar uma súbita falta de atividade humana. O Observatório Alemão, com mais de 152 metros de profundidade, conseguiu detectar uma queda na vibração causada por seres humanos quando a fechadura começou.
Por que ouvir melhor a Terra?
O ruído produzido pelos seres humanos impede o rastreamento de atividades sísmicas naturais, de acordo com especialistas, porque derrete e afoga outros tipos de sons. Por esse motivo, esse longo período de inatividade forneceu uma oportunidade única para os pesquisadores não apenas quantificarem o impacto da atividade humana, mas também ouvirem melhor na Terra.
Isso é importante, pois aumenta o conhecimento que temos sobre terremotos, especialmente os mais fracos e imperceptíveis, que ocorrem nos centros urbanos e são mascarados pelo ruído sísmico humano. Terremotos menores são essenciais para ajudar a prever terremotos maiores. Os cientistas agora têm um conjunto maior de dados para trabalhar.
“Nós podemos [agora] estudar a relação entre atividade humana e sismologia. Agora podemos entender com alta resolução o que faz barulho: terra ou pessoas ”, diz de Plaen.