É uma multa sem precedentes no setor de retalho em Portugal. A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou coimas no valor de 304 milhões de euros a seis cadeias de supermercados, dois fornecedores de bebidas e dois gestores individuais. Estão em jogo crimes de concertação indireta de preços ao consumidor.
A condenação proferida nesta segunda-feira, referindo-se a uma nota de ilegalidade adotado em março de 2019, é dividido em duas decisões. O primeiro inclui os supermercados Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché, e o fornecedor Sociedade Central de Cervejas (SCC). Este encargo inclui também um administrador da SCC e um administrador da unidade de negócios da Modelo Continente.
Neste caso, o alinhamento de preços terá estado em vigor entre 2008 e 2017 e incluiu produtos “como as cervejas Sagres e Heineken, mas também Bandida do Pomar e Água do Luso, inclusive para fazê-los subir gradativa e progressivamente no mercado de varejo” .
A segunda decisão diz respeito aos mesmos supermercados (Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché), aos quais se juntam o Lidl e a Cooplecnorte (responsável pela E.Leclerc). Aqui, o fornecedor-alvo é Primedrinks. Os preços de produtos “terão sido fixados” como os vinhos do produtor Esporão e Aveleda, The Famous Grouse ou whisky Grant’s, gin Hendrick’s ou ainda vodka Stolichnaya “.
A prática durou mais de dez anos, entre 2007 e 2017, “e visava também a subida gradual e progressiva dos preços no mercado retalhista”, conclui a investigação da AdC.
Nas pesquisas realizadas nas empresas-alvo, a AdC conseguiu localizar trocas de emails que evidenciam a prática de alinhamento de preços. As trocas de emails revelam também que as empresas tinham conhecimento da prática ilegal, além de “fiscalizar as lojas que se desviaram da prática, pressionando para que todos pratiquem o mesmo preço”.
Modelo Continente condenado a 121,9 milhões
A maior parte das multas cabe à Modelo Continente, que terá de pagar 121,9 milhões de euros. Segue-se o Pingo Doce, condenado a 91 milhões de euros. Auchan foi multado em 22 milhões e o Intermarché foi condenado a pagar mais de 19 milhões.
De acordo com a AdC, trata-se de “multas únicas”, aplicadas com fundamento jurídico, porque as empresas “já tinham sido condenadas na primeira decisão”.
Lidl foi também condenado a uma multa de 10,5 milhões de euros e a E.Leclerc a dois milhões de euros. Entre os fornecedores, a multa mais pesada foi atribuída à Central Beer Society (SCC), no valor de 29,5 milhões de euros, enquanto a Primedrinks foi condenada no pagamento de sete milhões de euros. Entre os visados encontram-se também um Administrador da SCC, multado em 16 mil euros, e um Administrador da Modelo Continente, condenado a dois mil euros.
As multas são passíveis de recurso, o que “não suspende a execução das multas”. A AdC explica que “as empresas podem requerer ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão a suspensão da execução das decisões desde que demonstrem que causa danos consideráveis e prestem garantia efetiva na sua substituição”.
Os valores são determinados “pelo volume de vendas das empresas-alvo nos mercados afetados, nos anos de prática, e não podem exceder 10% do faturamento da empresa no ano anterior à decisão.
A AdC sublinha que “impôs a cessação imediata da prática, não sendo possível excluir que os comportamentos investigados continuem em curso”.
Estas são as primeiras convicções adotadas em Portugal relativamente a práticas indiretas de preços retalhistas. Em 2017, iniciaram-se as investigações “e destinatários que representam grande parte do grande mercado da distribuição a retalho, afetando assim a maioria da população portuguesa”, frisa a AdC.
Neste caso, as notas de ilegalidade foram adotadas em março de 2019, “sendo dada oportunidade aos visados de exercerem o seu direito de audição e defesa, o que foi devidamente apreciado e considerado na decisão final”.
A AdC revela ainda que, na fase de investigação, “foram realizadas etapas complementares de provas exigidas pelas empresas visadas, cujos resultados foram também considerados na decisão final”.
Como funcionava o alinhamento de preços
A prática em questão denomina-se hub and spoke, e é classificada pela AdC como “muito grave”, pois prejudica o consumidor, “ao privá-lo da escolha do melhor preço”.
Nesse tipo de conluio, a comunicação entre supermercados é feita de forma indireta, por meio do fornecedor comum, que atua como intermediário. “Esta é uma prática em que os distribuidores utilizam os contactos que têm com o fornecedor comum para garantir, através deste, que todos tenham o mesmo preço de venda ao público (PVP), garantindo um aumento geral do PVP e evitando contactos diretos a cada um outra, como normalmente acontece num cartel ”, explica a entidade liderada por Margarida Matos Rosa.
“Com a utilização de um fornecedor comum, as empresas participantes garantiram o alinhamento dos seus preços de venda ao público, restringindo a concorrência de preços entre supermercados e privando os consumidores de preços diferenciados”, aponta a AdC.
Nesse tipo de prática, “todos os envolvidos se beneficiam do alinhamento e dos aumentos de preços combinados. Somente os consumidores são prejudicados”.
A concorrência diz que as condenações podem não acabar aí, pois as investigações no setor varejista continuam. “A AdC procedeu a buscas nas instalações de 44 entidades durante o ano de 2017, cujos resultados foram incorporados em 16 processos administrativos, mais de uma dezena dos quais neste setor”.
Até o momento, as investigações resultaram em sete acusações. Além das redes de supermercados e fornecedores de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, foram notificadas empresas do setor de pães e bolos embalados e, mais recentemente, de produtos de higiene pessoal, beleza e cosméticos.
Dentro Junho de 2020, A AdC acusou a Modelo Continente, o Pingo Doce e a Auchan de utilizarem a relação comercial com a Bimbo Donuts para alinhar os preços de venda ao público.
Dentro Julho, uma nova acusação foi emitida, também contra Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan, e fornecedores Sumol + Compal e Sogrape. Essa acusação também visava a Lidl, no caso de bebidas não alcoólicas e sucos, bem como a Intermarché e a E.Leclerc, no caso de bebidas alcoólicas. Para além das empresas, esta acusação visou, individualmente, dois administradores e um administrador da Sumol + Compal e da Sogrape, bem como um administrador de uma das distribuidoras.
Dentro novembro, A AdC acusou a Modelo Continente, o Pingo Doce e a Auchan de terem acordado preços no consumidor em supermercados com o fornecedor de bebidas alcoólicas Marcas Activas.
E já em dezembro os visados foram Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan, bem como o fornecedor de cosméticos e produtos de higiene pessoal Beiersdorf.