O mesmo símbolo ucraniano associado ao neonazismo em uma recente manifestação na Avenida Paulista foi tatuado no braço esquerdo do professor de educação física Luiz Rafael Matias Lepchak, 31.
Mas Lepchak, membro de um grupo folclórico da comunidade ucraniana de Curitiba (PR) há 20 anos, está longe de ser extremista.
O símbolo é Tryzub, que tem a forma de um tridente. Representa a Santíssima Trindade do século 10, quando o cristianismo foi introduzido na Ucrânia pelo príncipe Vladimir (958-1015). É amplamente utilizado no país da Europa Oriental.
“Todo o meu braço tem tatuagens com significado da cultura ucraniana. Logo abaixo do Tryzub, eu tatuei parte do coro do hino ”, diz ele.
Desde que começaram as notícias ligando os símbolos ucranianos ao radicalismo de direita, o professor de educação física se preocupa com sua própria segurança.
“Os regimes nazistas, neonazistas e fascistas são totalitários e superiores, o que não se enquadra na bandeira ucraniana. “Tenho medo de mostrar minha mão e me repreender ao vivo ou nas redes sociais e até me bater”, diz ele.
A conexão com o extremismo começou a se formar depois que uma bandeira com um símbolo apareceu em apoio ao presidente Jair Bolsonar em São Paulo.
Ela pertence Alex Silva, 46 anos, brasileiro residente em Kiev, capital da Ucrânia, onde ele é instrutor na academia de treinamento paramilitar.
A bandeira tem faixa preta e vermelha, com Tryzub no meio, e foi usada pelo exército rebelde ucraniano, que lutou contra os nazistas e a União Soviética na Segunda Guerra Mundial. É considerada uma bandeira histórica, livremente aceita no país e não associada ao neo-nazismo.
A confusão ocorreu porque a versão da direita, na qual a espada é colocada no tridente, é usada pelo Setor Direito (setor direito), uma organização ultradireita criada em 2013 na Ucrânia.
Isso criou críticas ao suposto caráter extremo do símbolo, dado no Twitter pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
Ele disse que o Brasil está importando terroristas da Ucrânia, solicitando a retirada de várias comunidades no Brasil.
“Eu disse cuidadosamente que estamos importando terroristas da Ucrânia, não mulheres ucranianas, em conexão com este homem. [Silva] e Sara Winter [ativista pró-Bolsonaro]”Era um tweet irônico, sem agressão a nenhum ucraniano”, disse Haddad.
Embora as cores nacionais ucranianas sejam azuis e amarelas, preto e vermelho também têm um significado especial no país.
“Preto e vermelho sempre estiveram presentes na história da comunidade ucraniana. Do artesanato, camisetas bordadas, à Páscoa, com ovos pintados nessas cores ”, diz Andreiv Choma (36), pesquisador da cultura ucraniana.
Preto significa terra fértil, mas também tristeza pelos antepassados, enquanto vermelho significa sangue de heróis.
No Brasil, segundo Chomau, os símbolos são frequentemente usados por uma comunidade de descendentes ucranianos, composta por até 600.000 pessoas, 80% no Paraná.
“Eles estão por toda parte. Em adesivos de carro, tatuados no corpo, exibidos nas salas de estar, na porta de centros culturais”, diz Choma. Daí a preocupação de que alguns mal-entendidos criem uma situação de violência.
“Não gostamos que nossos símbolos nacionais estejam associados a questões políticas. Seria como conectar Cruzeiro do Sul com coisas absurdas. Ou aqui no Paraná, faça com araucária ”, diz Choma.
Para Vitorio Sorotiuk, 75, presidente da representação brasileira da Ucrânia Central, há muita ignorância sobre a história da Ucrânia no Brasil.
“O que está acontecendo se parece com a história de um estrangeiro que diz que a capital do Brasil é Buenos Aires”, diz ele, cuja entidade é o principal representante da comunidade ucraniana no país.
Segundo Sorotiuk, o maior medo é o efeito que a polêmica pode ter sobre os ucranianos-brasileiros.
“Dói muito. Nossa preocupação é que não contamine uma comunidade unida, sólida em aspectos culturais”, diz ele.
Sorotiuk diz que a comunidade é diversa. “Temos pessoas em todos os partidos políticos. “Pessoas contra os bolsonares, a favor dos bolsonares”, afirmou.
Cerca de 70% dos descendentes ucranianos têm ancestrais migrantes que chegaram ao Brasil na década de 1890, buscando oportunidades econômicas. Quase todos os outros vieram durante o domínio soviético, que terminou apenas em 1991.
Essa história significa que parte da comunidade tem um forte sentimento anticomunista, que seus líderes expressaram duramente.
Um exemplo é a esposa da embaixadora ucraniana, Rostyslav Tronenko, brasileira Fabiana, que é uma forte defensora do bolsonar nas mídias sociais.
“Sou totalmente contra a esquerda, contra o regime do comunismo e do socialismo, porque eles são totalmente contra nós, nossa família, nossas tradições e nossa religião”, escreveu o embaixador no ano passado na rede social.
Tronenko diz que a comunidade é diversa e que a posição pessoal de sua esposa não significa reconciliar a embaixada com grupos políticos no Brasil.
Segundo o embaixador, “qualquer relação ou comparação de nossos símbolos com o nazismo é absurda, criminosa e incoerente”.
“A deturpação do verdadeiro significado é algo extremamente sério e não deve ser tolerado sob nenhuma circunstância e ficar impune”, disse ele.
Tronenko diz que já manifestou preocupação com o governo brasileiro por abusar dos símbolos de seu país.
“Temos medo de que, devido a uma acusação tão séria e injustificada, o símbolo que atualmente nos enche de tanto orgulho acabe como algo nazista, o que significa coisas tão desumanas e nojentas que esse tipo de pensamento represente”, disse ele.