Precisamos fazer uma análise do momento atual – é importante mencionar que em todos esses anos neste país nada foi fácil para nós. O desafio está conosco desde 1500. Nunca foi fácil, mas agora estamos em uma situação de má gestão.
Nossa luta pela delimitação de terras se repete. E nos últimos anos ficou mais difícil por causa das próprias palavras dos governantes deste país, que nos prejudicaram, os povos indígenas, que lutam pela legalização de nossos territórios, onde mantemos saúde e educação específicas, além da memória de nossos ancestrais.
Por isso, é muito inconveniente precisar de um órgão governamental que nos diga o que é nosso país, embora tenhamos sido os primeiros a estar aqui, os povos originários que estiveram aqui antes da chegada dos colonizadores. Mas não. Temos que lutar o tempo todo para manter esse território, e essa situação está piorando a cada dia.
Sua intenção sempre foi ser indígena para os povos indígenas. Agora que estamos nessa área, estamos na política, um lugar cheio de desafios que nunca esteve aberto aos povos indígenas. Estar na política hoje é sofrer por eles. Para nós, é uma oportunidade de falar sobre nós mesmos. Deve ser a voz que representa tantas outras vozes que o Brasil silencia no dia a dia.
É um espaço de resistência para que possamos garantir a nossa existência. Somos capazes, como nativos, de sugerir o que nos interessa e faz sentido.
Somos povos indígenas de norte a sul daquele país. Existe diversidade e cada nação passa por situações específicas. Principalmente em relação ao território. Sempre digo: para nós, o principal é o território. Sempre voltarei a essas mesmas questões.
Ser indígena na política significa lidar com o abandono, com a negação dos direitos que democraticamente conquistamos para estar nessas áreas. As pessoas me perguntam: “Como é ser nativa na política?”, E eu respondo que ela anda pelos corredores da Alesp com um cobertor e recebe perguntas como: “Por que você está usando isso? Hoje é dia do índio?” em troca de. Às vezes me perguntam se sou “descendente”, para me distanciar um pouco. Os outros estão tentando nos deslegitimar. Eles dizem: “Ah, você está com o seu celular? Você não é mais indígena!” Era como se meu celular tivesse tirado sangue que corria em nossas veias.
Mas é mais do que isso. Ela própria não está sozinha, embora seja a única mulher indígena sepultada no estado de São Paulo. Isso porque eu não levo apenas indivíduos para lá. Eu levo a coletividade das pessoas. Eu escuto as pessoas para poder ganhar uma conta depois, por exemplo. Se nos forem negados direitos, terei de agir para que esses direitos sejam cumpridos.
Tudo pra gente é uma construção coletiva, porque não existe aquele trabalho de trazer soluções prontas e eu, na minha subjetividade, acho que vou pensar na diversidade. Por exemplo, só em São Paulo temos mais de 70 aldeias – somos o segundo maior país com indígenas em contexto urbano.
É muito necessário ter indígenas em cargos políticos. Mas não vou dizer que é o espaço em que gostaria de estar agora. Para ser honesto, me sinto muito bem quando estou com meu povo, quando posso bater minha marca. Eu gostaria de poder passar meus dias em nosso canto assistindo a dança das árvores. Eu realmente quero pisar em minhas terras. Mas você precisa estar na política.
Precisamos ser capazes de fazer políticas públicas nós mesmos, então é importante ter mais gente que possa contribuir. Sei que é difícil pensar que o estado nos nega tanto, que nos oprime e que agora estou aqui dentro do estado.
No início da década de 1980, tínhamos o deputado federal Mário Jurun (PDT), que era uma de nossas referências. Hoje no Rio de Janeiro temos o Joêni Wapixan (Rede) como deputado federal, e eu em São Paulo como codeputado (PSOL). Afirmo que o ingresso na política foi necessário porque somos a esperança de um trabalho bem feito para nosso povo. Muitos dizem que nos tornamos uma referência, particularmente não gosto dessa palavra porque dá a impressão de que estou acima de alguém, quando na verdade é básico para podermos caminhar juntos.
Não andamos para trás ou para a frente, andamos juntos. Nós aprendemos isso.
Meu objetivo é buscar trazer à tona a nossa luta das comunidades do interior da aldeia e do contexto urbano com a implementação de políticas públicas em defesa dos direitos dos povos indígenas. A luta travada dentro da política deve estar diretamente ligada àquela que ocorre em nossa coletividade com nossos povos. Na verdade, a política deve cumprir o que está sendo dito em nossas aldeias. Eles são nossos guias.
Nunca sonhei com o tipo de política que quer falar sobre a periferia, sem ouvir, por exemplo, a periferia. O mesmo é verdade para os povos indígenas. Não vou falar lá apenas durante as eleições. Não é. Ela se sentou no chão, ficou com as pessoas, entendeu o que era a realidade. Se eu não der essas vozes, se não ouvir as pessoas, ser deputado não me beneficiaria. Se você mantiver suas vozes caladas, este espaço não pensa em mim.
E quero dizer que nada do que trago para o campo político em relação à minha cultura me torna inferior para pensar em políticas públicas. Pelo contrário, penso em políticas públicas apenas pelos ensinamentos que tive e ainda tenho como nativo.
A política deve consultar os povos indígenas, as nossas necessidades, ouvir os mais velhos, os jovens, as crianças que nos trazem coisas muito importantes que devem ser levadas em conta em todas as áreas. Digo que existe uma ciência de laboratório extremamente necessária, mas mesmo a ciência tradicional, a cosmologia autóctone, não pode ser reduzida a nada. Uma coisa no meu caso não está excluída da outra. A Alesp é um órgão burocrático, mas guardo lá todo esse conhecimento que precisa ser respeitado, porque somos um país que se diz democrático.
Antigamente não precisávamos disso, era nossa política ancestral tradicional, mas agora é preciso estar naquele campo público. Tudo por causa da colonização. Não estamos pedindo por isso.
Como eu disse, queríamos ficar do nosso lado. Eles não nos deram essa oportunidade.
E não quero que meus colegas fiquem desanimados quando digo que política é um lugar difícil. Lembre-se: sempre fomos fortes e resistimos.
** Este texto não reflete necessariamente a opinião do UOL.