Algumas mães longe de seus filhos já aprenderam a conversar com eles por videoconferência, devido ao isolamento social do Covid-19. Mas para Aparecida Oliveira, esse sentimento é bem diferente. Rafael tem apenas três meses e está internado desde o dia em que nasceu na UTI neonatal a 500 km.
Aparecida (38) e seu marido André Luiz (41) moram em Glicériou, uma pequena cidade a 443 km de São Paulo. Em novembro do ano passado, um ultrassom do segundo trimestre de gravidez revelou algo que nenhuma mãe gostaria de ouvir: um problema cardíaco em um bebê.
Ela fez um ecocardiograma, fez uma abdominoplastia para ver o coração do bebê e foi a especialistas em cidades vizinhas. Todos concluíram que Rafael deveria nascer em um hospital com uma UTI neonatal e cardio-pediatras.
Em 11 de março, com 36 semanas de gestação, foi encaminhada ao Hospital Sepaco, em São Paulo. “Fui encontrar a equipe que vai entregar o bebê para mim em um mês, mostrar os exames e relatar a nossa história”, lembra a mãe.
Mas Rafael estava com pressa: no mesmo dia em que seus pais chegaram a São Paulo, a bolsa de Aparecid quebrou. “Fui direto para o hospital. O médico de plantão logo me enviou à sala de operações para uma cesariana. Eu já havia perdido muito líquido e não havia tempo a perder”.
Rafael nasceu naquele dia aos 11 anos, prematuramente, aos 40 cm e 1.730 kg. Ele foi imediatamente intubado e colocado em uma incubadora. Aparecida nem teve chance de mantê-lo.
A tecnologia os conecta. Aparecida está em Glicério, cuidando de Larissa, sua segunda filha, sexta, que está fora de classe por isolamento social. André Luiz, o instalador da calha, ainda está funcionando normalmente.
A cada dois dias, eles recebem a chamada de vídeo esperada: o pequeno Rafael queria “conversar”.
Você pode dizer que ele me reconhece quando eu falo. Ele ainda não está sorrindo, mas está olhando para mim com seus próprios olhos, virando o olhar para ele. É claro que não substitui o contato físico, mas ele é uma criança e não entende que estou longe, acho que através da voz dele, ele sente que estou sempre perto dele. É muito útil
Aparecida Oliveira, mãe de Rafael
“Nos dias em que não posso ligar, eles me mandam fotos. Médicos, enfermeiros, psicólogos e toda a equipe cuidam do meu filho como se fosse a família deles. Eu também, para me sentir mais perto, mesmo que fosse através da tela de um telefone celular “Se for difícil, imagine-o sem tecnologia. Tenho certeza que até ajuda na recuperação física dele”.
Em 24 de abril, a mãe realizou seu sonho. Ele veio para São Paulo e segurou o filho nos braços pela primeira vez, 43 dias após o parto. “Era uma sensação inexplicável. Eu ainda não conseguia pegá-lo porque, além de ser intubado e cheio de dispositivos, era muito magro, minúsculo. Ele não consegue nem chupar.”
E a vitória da semana passada: Rafael saiu da incubadora e foi para o berço, ainda intubado na UTI. Ele foi submetido a cirurgia de traqueostomia e ainda precisa de oxigênio, mas agora o tubo não passa pela boca. O processo de remoção do respirador deve começar nas próximas semanas.
Lições para depois da quarentena
Antes da pandemia de Covid-19, o hospital não fazia tais ligações. “Não estávamos autorizados a transmitir dados sobre nenhum paciente ou telefone. Você não pode dizer se a pessoa do outro lado da linha é realmente um parente ou uma pessoa responsável”, diz Renata Castro, neonatologista e coordenadora de suporte à UTI neonatal no Sepac.
Com restrições de viagem e novas medidas de segurança e higiene, eles precisavam pensar em alternativas. “Por vídeo, garantimos isolamento e garantimos que os pais estejam do outro lado da linha”, diz Castro.
Ele teve tanto sucesso que deveria continuar depois que a quarentena terminasse. “Muitas das famílias que servimos são de outras cidades. Mesmo sem isolamento, essas pessoas têm dificuldade em atravessar centenas de quilômetros para ficar cara a cara. Então, continuaremos as videochamadas em nossa rotina”, acredita o médico.
Como funciona? Os pais precisam apenas de um telefone com uma câmera, aplicativo WhatsApp e internet. Várias vezes por semana, médicos profissionais visitam o paciente. “Avisamos a mãe quando as visitas do bebê acontecerão, para que ela também participe do vídeo”, explica Renata.
A mãe segue a discussão do caso em tempo real e depois recebe um resumo. O psicólogo trabalha em videochamadas, fornecendo contato com a criança. Ela configura o telefone celular e incentiva pais e filhos a se comunicarem.
“Claro, os bebês mais novos não têm muita interação, mas, após dois meses, é impressionante. Vemos que a expressão fácil muda quando ouvem a voz da mãe. É mágico”, conclui Renata.