- Rafael Barifouse
- BBC News Brasil em São Paulo
EM infectologista Jaime Rocha decidiu fazer um vídeo nos últimos 30 dias na esperança de expandir os grupos do WhatsApp em Curitiba para conscientizar a população.
Para começar, ele disse que não queria mais falar sobre covid-19 ou a importância de lavar as mãos ou usar uma máscara. “Tenho certeza de que você já sabe de tudo isso”, disse ele.
O médico queria alertar que está começando a faltar leitos para pacientes que adoeceram com um novo coronavírus na capital paranaense, onde trabalha.
“Estamos abrindo mais leitos, estamos abrindo mais leitos … Mas o comportamento das pessoas torna tão grande o número de casos que nem percebemos.”
Rocha então alertou: se a população não cooperar, aderindo às medidas de controle do coronavírus e evitando multidões, o sistema de saúde não atenderá a demanda, pessoas podem morrer por falta de atendimento.
Terminou com um apelo: “Não sou alarmista, sou realista e procuro novamente a contribuição de todos”.
Na época, a pandemia covid-19 estava fora do controle do Paraná.
O contágio estava crescendo novamente
A taxa de transmissão do vírus, que está abaixo de seu nível mais perigoso desde meados de agosto, aumentou novamente.
Este índice mostra quantas pessoas, em média, estão infectadas por aqueles que já estão doentes. Se cair abaixo de 1, o surto terminará gradualmente. Acima disso, ele ganha cada vez mais força, e o número de pacientes cresce em proporções geométricas.
A taxa de transferência média móvel leva em consideração os 14 dias anteriores do índice. Os epidemiologistas consideram-no o valor mais adequado para medir a gravidade de uma pandemia, pois corrige distorções de dados específicas causadas por atrasos e outras falhas na detecção de resultados de testes que confirmam os casos.
No Paraná, esse índice voltou a ficar acima de 1 em 6 de novembro e parou de subir apenas em 19 de novembro, quando atingiu o pico de 1,36.
Naquela época, 100 pessoas infectaram 136 outras, que por sua vez eram 185 e assim por diante.
Não demorou muito para que isso afetasse o número de pessoas que procuraram ajuda médica.
Casos explodiram
Leva algum tempo para que o aumento da transmissão seja sentido em centros de saúde e hospitais devido à natureza do coronavírus.
Uma pessoa infectada precisa em média de sete dias para sentir os primeiros sintomas. A experiência dos profissionais de saúde mostra que, depois disso, os pacientes costumam precisar de mais alguns dias para procurar atendimento médico.
Mas a infecção mais intensa inevitavelmente se traduz em várias visitas ao serviço de emergência, e isso se reflete nas estatísticas oficiais.
Portanto, está no Paraná desde 12 de novembro. Nesse dia, a média móvel de casos confirmados ainda era de 1.233, mesmo patamar das semanas anteriores. Mas, oito dias depois, quase triplicou para 3.569.
Mais nove dias se passaram e um novo pico ocorreu: 3.612. Este é um recorde de pandemia no estado até agora e 75% maior do que a maior taxa registrada antes do início de novembro (2.056 casos, 6 de agosto).
Hospitais estavam enchendo
Assim como a infecção mais intensa se transforma em mais casos, o maior número de casos por hora deixa o hospital lotado. Isso está acontecendo no Paraná.
“Os pacientes precisam de seis a oito horas para serem atendidos no pronto-socorro e ficam em enfermarias de um a dois dias até poderem ser internados”, diz Jaime Rocha, que trabalha em dois hospitais privados de Curitiba.
É crescente o número de pacientes com covid-19 ou suspeita de doença à espera de vaga em ambulatório ou UTI de hospitais públicos de Curitiba ou região urbana da cidade.
A fila atingiu 120 pessoas na última quarta-feira (11/2), segundo o governo de Ratin Jr. (PSD).
A Secretaria de Estado da Saúde afirma que o atendimento médico lhes dá assistência em outras unidades de saúde enquanto aguardam e que o número total de leitos da rede está aumentando.
A taxa de ocupação média do estado era de 89% na sexta-feira (11 de setembro), mas chegou a 96% na capital, onde os hospitais já estão anunciando restrições de atendimento por não atenderem à demanda.
“Já esperávamos um aumento de casos”, diz Rocha, “mas nem tanto nem tão rápido”.
Fechou muito cedo?
“O Paraná fechou tudo cedo demais”, diz o epidemiologista Nelson Arns, coordenador internacional da Pastoral da Criança, que mora em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, e trabalha na capital.
As primeiras infecções no estado foram confirmadas no dia 12 de março, quando ocorreram 200 casos no Brasil. O governo do Paraná adotou medidas de isolamento social alguns dias depois.
As aulas estão suspensas em escolas públicas e universidades, sendo o mesmo recomendado para a rede privada. Teatros, cinemas, bibliotecas e museus foram fechados. Os eventos culturais não podiam mais ser realizados.
Os empregados começaram a trabalhar em casa e os moradores foram solicitados a não sair às ruas, entre outras medidas para conter a epidemia.
“Ainda não houve transferência de comunidade no estado”, diz Arns, médico de saúde pública. Um epidemiologista se refere a um termo que define quando um vírus circula livremente entre humanos.
Se isso acontecer, a infecção não ocorre mais apenas no contato entre pessoas que já moram juntas, como familiares e amigos, mas também em situações cotidianas comuns, entre estranhos.
Arns acredita que inicialmente não deveriam ser aplicadas medidas de isolamento social, mas uma distância menos restritiva.
“O fardo era muito pesado e de certa forma insuportável, especialmente para os jovens”, diz ele.
‘Testado bem, mas não o suficiente’
O secretário de Saúde do Paraná, Beto Preto, afirma que o estado não foi o único a tomar medidas desse tipo na época e que o governo achou melhor assumir a liderança do processo.
“As prefeituras passaram a trabalhar de forma desorganizada, tomando decisões individualizadas. Entendemos que as medidas tiveram que ser generalizadas”, diz Preto.
O secretário afirma ainda que o país é um dos mais pesquisados do Brasil. “Somos o primeiro ou o segundo em exames de PCR”, diz Preto.
Esse tipo de teste detecta a presença do vírus no corpo para confirmar se uma pessoa está doente ou não e deve ser usado em exames extensivos, afirma a Organização Mundial da Saúde (OMS), para identificar casos e quebrar a cadeia de transmissão do vírus.
Dados oficiais sobre o número de exames realizados por 100 mil habitantes mostram que o Paraná testou bem acima da média brasileira. Em alguns meses, o índice local era duas vezes maior que o nacional.
Mas o estado ainda tem taxas que variam de 70% a 85% menores que as dos países mais testados no mundo, como França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Rússia.
“O Paraná se divertiu na realidade do país, mas, segundo a OMS, não foi o suficiente”, diz Arns.
Uma longa pandemia, uma população exausta
“Você encontrará todo tipo de opinião sobre o que foi feito, mas até agora controlamos a pandemia”, disse o secretário Beto Preto.
O epidemiologista Nelson Arns concorda que a quarentena precoce do estado teve um impacto positivo.
Isso inicialmente conseguiu conter a explosão de casos e evitar o colapso do sistema de saúde. O Paraná tornou-se um dos menos afetados pelo coronavírus no país.
A menor intensidade da epidemia local e o agravamento em outras partes do país fez com que em meados de junho ela tivesse apenas o 22º maior número de casos entre os 27 estados e o Distrito Federal. Mas então o número de casos começou a aumentar.
Ao mesmo tempo, a crise esfriou em outros estados, e o Paraná está mudando a escala da pandemia brasileira, apesar de um aperto temporário das medidas de isolamento para 14 dias em julho.
Em agosto, já era o 14º país com mais casos. Dois meses depois, era o décimo. Hoje está em 8º lugar, com mais de 294 mil infecções confirmadas.
“Tudo isso levou à exaustão”, diz Arns. Um dos efeitos disso é que as medidas de controle da pandemia estão cada vez mais sendo desconsideradas, afirma o epidemiologista.
“Tem um segmento da população que cumpre, mas tem quem nega e quem você explica o cuidado e não adianta. Aí liga para a casa do paciente para dar resultado positivo e saber que ele está na rua. e ouviram que essa pessoa foi visitar seus pais porque acharam que estava tudo bem porque não se sentiam mal. “
Paranaense não ficou em casa
Dados da In Loco, que monitora o isolamento social em todo o país a partir de dados de geolocalização de celulares, apontam que, antes mesmo, o paranaense não ficava em casa.
A maior taxa registrada no estado nunca ultrapassou 45% em toda a pandemia e, desde junho, está abaixo de 40%. Atingiu seu nível mais baixo em setembro e outubro, 36%. Em novembro, voltou a subir ligeiramente, para 38%.
“Se isso bastasse, não estaríamos neste caos”, diz Viviane Hessel, assessora da Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas que atua no Paraná.
Ele diz que sempre ouve histórias de pacientes cobiçosos que saíram de casa ou que pensam que, por serem jovens ou não terem outra doença, podem pegar que tudo ficará bem.
“Eles esquecem que podem transmitir a doença para outras pessoas”, diz Hessel, presidente da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar.
Além disso, um fator positivo para o Paraná agora está se voltando contra o estado. Como era menos afetado antes, o número de pessoas já infectadas ainda é baixo.
Esse índice chega a no máximo 20%, ressalta Hessel. Isso torna menos pessoas imunes ao coronavírus, que se espalha facilmente.
Além da flexibilização das medidas em Curitiba no final de setembro com tendência de queda dos casos até então, uma série de feriados em outubro e novembro e eleições municipais.
“Os governos ficaram mais flexíveis. Até mesmo cinemas e museus foram reabertos. Tudo isso criou uma sensação de que a crise acabou”, diz Nelson Arns.
“As pessoas relaxaram”, concorda Hessel, “e vimos muito mais movimento do que poderíamos esperar.”
Medidas mais rígidas para evitar o pior
A prefeitura suspendeu bares, boates e festas. Restaurantes, shoppings e ruas principais continuam abertos, mas com horário limitado.
O toque de recolher também é adotado em todo o estado, entre 23h e 5h, até as próximas 17h. O governo estuda o fechamento de praças e parques. Ele também recomendou que os funcionários públicos começassem a trabalhar em casa.
“Estamos tentando diminuir a circulação do vírus e, principalmente, impedindo o trabalho de bares e discotecas, porque 30% dos casos novos são entre os mais jovens”, afirma o secretário Beto Preto.
Mas ele reconhece que a implementação dessas medidas está se tornando cada vez mais difícil com o prolongamento da pandemia.
“Sim, é exaustão. Já se passaram nove meses, não é? As pessoas querem ter suas vidas normais de volta. Mas estamos espalhando ações de conscientização.”
A Dra. Viviane Hessel diz que a experiência até hoje mostra que uma pandemia não terminará apenas em isolamento social. “Mas sem ele, será ainda mais difícil”, diz ele.
O especialista em doenças infecciosas Jaime Rocha explica que as medidas pandêmicas costumam demorar de duas a três semanas para reduzir o número de casos. “Não seremos capazes de parar este trem desgovernado durante a noite.”
Nesse ínterim, ele está trabalhando e espera que as providências sejam tomadas a tempo e que os avisos seus e de seus colegas surjam para que o Paraná evite o pior.
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