RIO – “Quando uma mãe fala ‘salva meu filho, doutor’, parece que você foi esfaqueado”. Dita doença contagiosa, o desabafo aparece imediatamente na abertura da série documental “Por um respiro”, que mostra a luta dos trabalhadores da saúde contra a Covid-19 em um hospital público do Rio – mostrado em obras fictícias como “Sob pressão”. Disponível nesta sexta-feira na Globoplay, a produção é dirigida por Susanna Lira, que se prepara para lançar mais um trabalho sobre a pandemia: o documentário “Prazer em saber”, na prevenção do HIV / AIDS, que vai na terça, às 0h, no GNT.
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Não há narrador em “Para uma pausa”. Relatórios foram feitos por médicos, familiares e próprios pacientes – alguns dos quais em breve terminarão seu terceiro mês de hospitalização por coronavírus. Seis episódios da série foram filmados no Hospital Universitário Pedro Ernesto, localizado em Villa Isabel, zona norte do Rio, e levados para os bastidores das enfermarias exclusivas e UTIs de Covid, às quais poucos têm acesso.
A produção começou em março, logo após o início da quarentena, mas as filmagens só aconteceram em agosto. Naquele mês, o país atingiu cem em cada 100.000 mortos pelo coronavírus. Hoje são mais de 170 mil deles. Para Susanna, mostrar a pior face da Covid-19 e a dura realidade do tratamento é uma forma de aumentar a conscientização para além dos números – o que, no Rio, indicam nova progressão da doença.
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– Os dados não tocam mais as pessoas. Há alguns meses, durante as filmagens, os médicos comentaram conosco sobre o medo que sentiam que a população simplesmente deixaria de usar máscaras e o distanciamento social. Esse Rio lotado vem por falta de consciência. As pessoas precisam pensar no coletivo – critica o cineasta que perdeu amigos e associados por conta do coronavírus.
Felizmente, protocolos de segurança rígidos impediram que a equipe em série registrasse infecções durante as filmagens. Mas os traços de protetores e máscaras faciais em videógrafos não são nem mesmo comparáveis às características desse contato íntimo com a ansiedade de adultos, idosos e crianças conscientes de que suas imagens podem mudar da noite para o dia. O cansaço de médicos e enfermeiras na luta sem fim para respirar.
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“Foi o trabalho mais desafiador da minha vida”, diz Susanna, com quase 30 anos de carreira. – Não temos ideia do que foi e do que foi uma pandemia. Eles são consequências em todas as áreas de nossas vidas. Acabei de assistir a um episódio ou saí de uma reunião com os diretores da série e liguei imediatamente para a família e amigos. Tornei-me um ativista de prevenção.
Proteção ao HIV
Onze anos depois de “Positive”, um documentário que mostra mulheres heterossexuais infectadas com o HIV por seus maridos, o diretor também está voltando a tratar a doença em outra produção. “Prazer em Saber” fala sobre a experiência de usuárias de PrEP (profilaxia antes da exposição), medicamentos diários que previnem a infecção pelo vírus, e explora o universo de aplicações para tirar e a chamada “diversão sexual”. O recurso é mostrado em 28º Festival Mix Brasil, em novembro, e entra na rede GNT em 1º de dezembro, Dia Mundial da AIDS.
Ao invés de especialistas, o médico prioriza as falas dos próprios usuários que relatam como o tratamento e o preconceito são enfrentados por quem ainda não conhece o método preventivo. Usado corretamente, o PrEP oferece mais de 90% de eficiência. Contudo, seu uso não substitui os preservativos, que é a única maneira de prevenir outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). A droga só funciona contra o HIV.
“Muitas vezes perdemos nossas vidas por ignorância”, lembra Susanna. – As pessoas moralizam todo tratamento médico. Precisamos entender que esse é um problema de saúde pública e respeitar quem usa a PrEP.
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Disponível no SUS, a combinação de comprimidos é destinada a pessoas que costumam deixar de usar preservativo na relação sexual, têm outras doenças sexualmente transmissíveis ou fazem uso de PEP (profilaxia pós-exposição ao HIV). Populações que o Ministério da Saúde considera “cruciais” são homens que fazem sexo com outros homens, profissionais do sexo e pessoas trans.
– Vivemos uma guerra na saúde pública e obter informações é uma luta. Mas quando o serviço público de saúde funciona, você salva vidas – conclui o cineasta.