Apenas oito dos 27 departamentos estaduais de saúde do Brasil relatam dados raciais sobre pessoas infectadas ou mortes causadas pela covid-19 em seus boletins. Dezenove portfólios não possuem ou não divulgam esses dados, o que é uma falha grave, afirmam especialistas ouvidos por um consórcio de veículos de jornal dos quais Twitter faz parte.
Seis publicações questionaram 26 estados e o distrito federal sobre a qualidade de seu número. Foram estabelecidos critérios para a divulgação dos dados, como os números são mostrados, se a idade, cor e gênero das vítimas, a ocupação de UTIs públicas e privadas são levadas em consideração e se o número de testes realizados é constante – 12 secretárias não divulgam o número testes que ainda não receberam uma resposta.
Todos os departamentos têm painéis de publicidade e atualizam os dados pelo menos uma vez por dia – no entanto, os horários ainda não seguem um padrão: eles aparecem entre 10 e 20 horas. Municípios, idade e sexo das vítimas também são cobertos em 26 estados e no distrito federal. Cinco estados não divulgam o número total de leitos de UTI disponíveis.
“Campo opcional”
Dois estados destacaram a não obrigação como um fator na superficialidade dos dados raciais coletados: São Paulo e Goiás, ambos argumentando que os dados “não constituem um campo obrigatório a ser preenchido” nos formulários. “Os dados estão mal preenchidos”, acrescenta a secretária de Goiás.
As administrações municipais de saúde usam dois sistemas na linha registrar novos casos covid-19, o e-SUS Isto é Sivep-Gripe, Nenhum deles trata o campo “raça / cor / etnia” como obrigatório.
“Os dados são coletados, é um campo no sistema de notificação. Mas não é um campo obrigatório, portanto, preenchê-lo é muito errado”, explica Fernanda. Campagnuci, com Open Conhecimento, uma organização sem fins lucrativos que promove o conhecimento livre.
Quando a sociedade cobra e os governos estão no topo, isso pode melhorar. “
Fernanda Campagnuci, com Open Conhecimento
O Livro de Regras do Ministério da Saúde de 2017 estipula que “coletar a cor dos objetos e preencher um campo chamado raça / cor será obrigatório para os profissionais que trabalham nos serviços de saúde”. O mapa publicou uma nota informando que “estão sendo feitos ajustes” para que o campo de raça / cor seja “obrigatório” a partir desta semana.
Critérios diferentes
Os critérios para a cor ou raça daqueles que publicam em seus boletins também não são exclusivos. O Amazonas, por exemplo, relata que negros e pardos são responsáveis por 74% das pessoas diagnosticadas com a doença e 86,8% das mortes.
Outros países que divulgam dados raciais são Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Rondônia, mas sem padrões e com graus variados de precisão. O Rio Grande do Norte destaca que a corrida com cerca de 22% do total infectado é “desinformada”.
Entre os 19 estados que não publicam dados raciais, as razões para isso são diferentes. Em abril, um decreto do Departamento Federal de Saúde proibiu a publicação de “dados pessoais das vítimas”.
O portfólio de Mato Grosso do Sul alega ter dados, mas não exibi-los porque a plataforma está “em construção”.
O Ministério da Saúde do Rio de Janeiro diz que “não há determinação” para a disponibilidade de dados de corrida; Minas Gerais diz que “analisa a possibilidade” de divulgar esses dados; enquanto o Amapa considera municípios responsáveis, “que nem sempre arrecadam”.
Por sua vez, o Acre informa que esses dados são fornecidos “apenas em testes rápidos e não em testes RT-PCR“, as especificidades do covid-19, para evitar a revelação de dados incompletos.
Dados para lidar com uma pandemia
Especialistas ouvidos pelo consórcio dizem que, se os dados fossem bem coletados e interpretados, seriam úteis para combater a pandemia.
“Quanto mais dados você tiver, melhor. Se tivéssemos preenchido a raça ou a cor corretamente no Rio de Janeiro, os dados da população indicariam um bairro com predominância de negros ou brancos. Indiretamente, seria possível estimar onde serão os surtos de doenças”, mostra o exemplo. o epidemiologista Diego Xavier, que supervisiona o desenvolvimento da pandemia e lida com dados diariamente no Instituto Fiocruz de Informação e Comunicação em Saúde (Icict), no Rio de Janeiro.
Manoel Galdino, CEO da ONG Transparência Brasil, exige clareza dos dados públicos, essenciais para a criação de políticas públicas e o tratamento das desigualdades.
A falta de preocupação em coletar esses dados mostra que os governos estaduais não estão envolvidos na luta contra o racismo. “
Manoel Galdino, Diretor Geral da ONG Transparência Brasil
Especialistas apontam que o conhecimento da raça ou cor das pessoas infectadas pode acelerar a resposta do governo ao progresso da pandemia. Se as secretarias de saúde ou o Ministério da Saúde realmente conhecessem o perfil da população de pacientes cobertos por 19, eles poderiam encontrar soluções mais adaptadas a cada realidade.
Emanuelle Góes, pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimento em Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, diz que há informações que vêm coletando há algum tempo que, em uma pandemia, se torna urgente.
[Coletar e divulgar dados raciais] Isso tem a ver com pensar em políticas de saúde com igualdade e superar a desigualdade. “
Emanuelle Góes Fiocruz Bahia,
Números ocultos ou negligenciados?
O especialista em doenças infecciosas Hélio Bach, do Hospital Albert Einstein, vê os dados vazados como “uma tentativa de ocultar o preconceito racial”. Para ele, a luta contra a covid-19 está ligada à luta contra a desigualdade, e ambas seriam efetivas apenas se os governos tivessem consciência do problema que precisam enfrentar.
O racismo está escondido o tempo todo, havia até um tom, uma ideologia que até muitos defendem. Obviamente, as pessoas devem ter direitos iguais, independentemente da raça, mas o que parece estar acontecendo no momento é tentar esconder as diferenças com base em discursos distorcidos. “
Hélio Bach, infectologista
Para o epidemiologista Diego Xavier, a falta de dados pode estar diretamente ligada à coleta de informações. “Não acredito que os segredos estejam ocultos, mas que a qualidade dos dados seja realmente ruim. Tanto a qualidade quanto a quantidade de registros tendem a diminuir significativamente durante uma pandemia”, ressalta.
Mesmo nas oito secretarias que distribuem dados raciais, a falta de padrões é um problema, explica Manoel Galdino, da ONG Transparência Brasil. “O ministério é [da Saúde] que deve coordenar, crie um protocolo padrão. Todo estado faz diferente, todo município, todo centro de saúde? “
Esta semana Twitter descobriram que o Ministério da Saúde havia excluído registros de relatos de síndrome respiratória aguda grave (SARS) do banco de dados disponível publicamente no mapa, que incluía casos de covid-19.
Veículos jornalísticos unidos pela transparência
Em resposta à decisão do governo de Jair Bolsonar (sem partido) de restringir o acesso aos dados da pandemia da covid-19, a mídia Twitter, Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, G1 e Extra formaram um consórcio de cooperação a partir da semana passada e, assim, solicitaram os dados necessários diretamente às secretarias estaduais de saúde das 27 unidades da Federação.
O governo federal, através do Ministério da Saúde, deve ser uma fonte natural desses dados, mas opiniões recentes do governo e do próprio presidente questionam a disponibilidade dos dados e sua precisão.
* Participantes nesta investigação: Arthur Sandes e Wanderley Preite Sobrinho (Twitter), Flávia Faria e Diana Yukari (Folha), Daniel Bramatti (Estádio), Renato Grandel Gabriela Oliva (O Globo / EXTRA) e Clara Velasco, Gustavo Petró e Ricardo Gallo (G1),